Indústria naval: ex-presidente do SINAVAL defende
‘nova modelagem’, ante o risco da exaustão
Roberto Lopes
Autor do livro “As Garras do Cisne”,
sobre os planos de expansão da Marinha do Brasil.
Exclusivo para DefesaNet.
Aos 57 anos de idade, o empresário Omar Rezende Peres, mineiro de Leopoldina, tem um currículo invejável, lastreado em sua dupla formação intelectual: administração bancária, nos Estados Unidos, e Sociologia na França.
Nascido e criado longe da brisa marinha, o mar acabou se transformando em uma de suas paixões.
Assim, Peres se deixou atrair pela indústria que trabalha respirando o vento que agita as ondas. Radicado no Rio, ele presidiu o Grupo Companhia Comércio e Navegação Estaleiro Mauá/Niterói, a SEAPAR Navegação Marítima Ltda. e a Companhia de Navegação Marítima Netumar. No fim da década de 1990, dirigiu também o Sindicato Nacional da Indústria da Construção Naval (SINAVAL).
Nesse momento Peres ajuda seu amigo German Efromovich a equacionar as atuais graves dificuldades financeiras do Estaleiro Ilha S.A. (EISA).
Ex-Secretário da Indústria e Comércio de Minas Gerais no governo Itamar Franco (início da década de 2000), Peres diz, contudo, que a solução para a indústria naval não é simples, e não virá só com a liberação de mais verbas por parte do BNDES. Eis os principais trechos da rápida entrevista que ele concedeu, esta semana, com exclusividade, à DefesaNet Agência.
DefesaNet– Os estaleiros nacionais estão abarrotados de encomendas. A Marinha do Brasil tem até dificuldades para encontrar uma companhia que aceite os seus próximos projetos. Por que, nessa circunstância, em que não falta clientela à indústria naval, o senhor não está otimista?
Omar Peres – Porque a simples existência do mercado não quer dizer que esteja tudo resolvido, ou que haja uma perspectiva, no médio ou no longo prazo, de que tudo vá ser resolvido. Sob certas circunstâncias, atender a demanda pode virar um pesadelo. Isso acontece quando você não está preparado para atuar, quando o seu modelo de negócio está superado, esgotado. Os economistas entendem bem do que estou falando. E a modelagem da indústria naval brasileira é algo do passado, de 40 ou 50 anos atrás, que já não tem mais eficiência no Brasil de hoje.
DefesaNet – O quê está errado, exatamente? Falta apoio do governo, falta capacidade de gestão dos controladores privados...
Omar Peres– Como eu disse, o problema está na forma com que o setor está organizado, com empresas familiares às vezes de limitada disposição para a governança corporativa, baixa capacidade de reinvestir no negócio, especialmente em equipamentos, e fortemente ancoradas nas verbas do BNDES. O futuro que as aguarda é a exaustão. E isso em um momento onde não falta clientela por causa da exploração do pré-sal e dos programas de expansão da Marinha! Para uma indústria com o perfil da brasileira, o mercado, às vezes, representa um obstáculo enorme, em vez de uma bênção…
DefesaNet – Então qual é a sua receita?
Omar Peres– Precisamos repactuar a participação dos diversos segmentos que formam a indústria naval. E isso quer dizer fazer uma mudança grande, elevar a presença do Estado à condição de sócio da iniciativa privada, e convencer os empreendedores de que eles necessitam dessa parceria. Só isso nos permitiria mudar a indústria naval de patamar…
DefesaNet – Dar a ela um caráter estratégico...
Omar Peres– O governo e a mídia gostam muito de definir a construção naval como um setor estratégico. Mas isso, para mim, são apenas palavras. Na minha opinião, para que o segmento possa, um dia, se considerar de valor estratégico ele precisa de uma nova modelagem. Alguma coisa próxima ao modelo atual da Coreia do Sul, de empresas de capital misto, que na sua composição acionária operem com recursos públicos e privados, além da devida regulação legal para a participação do capital estrangeiro. Mas essa nova modelagem traz novas implicações, é claro: a garantia de encomendas por parte de empresas ou organizações vinculadas ao governo, e um firme esquema de compartilhamento de responsabilidades, de forma a que a indústria naval brasileira se torne competitiva no exterior. Isso, claro, passa por desonerações, a simplificação dos procedimentos para a exportação, estímulos…
DefesaNet – O governo, recentemente, reduziu a necessidade de garantias para o seguro de crédito às exportações da indústria brasileira de Material de Defesa…
Omar Peres – Perfeito. Esse é um bom exemplo, mas existirão muitos outros, tenha certeza.
DefesaNet – E como fazer isso? Ou, por outra, o que fazer com a estrutura que temos hoje no país?
Omar Peres – Tomemos o caso do Rio, principal pólo de indústria naval do país. Na minha visão a saída é montarmos uma espécie de “Estaleiro Brasil S.A.”, reunindo o Mauá, o EISA e todos os demais estaleiros fluminenses, que trabalham cerceados por uma série de dificuldades, e organizarmos a parceria do governo com essa nova entidade. As companhias, que hoje funcionam de forma independente operariam, dentro dessa nova organização, como unidades de negócios. Otimizando recursos, por exemplo, e não apenas os financeiros, também, ou principalmente, os humanos.
E colhendo do parceiro governo o apoio para sanear algumas de suas dificuldades que podem parecer de solução simples, como substituir um guindaste velho, mas que pela falta de dinheiro, ou de crédito, se transformam em obstáculos terríveis. O German [Efromovich, dono do EISA] me disse que no estaleiro dele há um guindaste que foi fabricado em 1970… quer dizer, um equipamento que já não serve para oferecer o benefício de que a empresa necessita.
Matérias Relacionadas